A ocupação da Palestina é imoral e ilegal
- Rogério Baptistini Mendes

- 5 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 23 de mar.
Israel é um estado de apartheid que se orienta pela expulsão dos povos que habitam a Palestina.

O mundo amanheceu com a notícia de que o presidente dos Estados Unidos pretende anexar Gaza e deslocar os palestinos para outros lugares[1]. O projeto, se realizado, condenará um povo inteiro ao desterro e inviabilizará definitivamente a Resolução 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que em 29 de novembro de 1947, recomendou a partição da Palestina em dois estados: um árabe e um judeu.
Para os ocidentais, a compreensão da situação dos palestinos não é simples. Como explica Edward Said, a imaginação europeia definia, até o final do século XIX, tudo o que se situava a leste de uma linha imaginária situada entre a Grécia e a Turquia como Oriente. E naquele lugar, onde tudo seria diferente do Ocidente, estaria a Palestina. Porém, para muitos judeus, esta sequer existe.
“Chamar o lugar de Palestina e não de Israel ou de Sião já é um ato de vontade política. Isso explica em parte a insistência dos pró-sionistas na dúbia afirmação de que Palestina foi usada como designação administrativa apenas no Império Romano e nunca mais desde então -exceto, é claro, durante o mandato britânico, após 1922. O objetivo era mostrar que Palestina também é uma interpretação, uma intepretação com muito menos continuidade e prestígio do que Israel.”[2]
Para além do não reconhecimento do lugar está o não reconhecimento do povo palestino. A então primeira-ministra de Israel, Golda Meir, em entrevista concedida ao jornal The Sunday Times, em 1969, afirmou que “não existem palestinos”. Três anos depois, questionada por jornalista do The New York Times, não melhorou muito a sua visão:
“Eu disse que nunca houve uma nação palestina. As pessoas que antes viviam na Palestina viveram por 19 anos como cidadãos jordanianos. Havia palestinos em Gaza depois de 1948, mas os egípcios não lhes davam cidadania egípcia. Permitimos que os palestinos venham a Israel e trabalhem, e agora somos criminosos de guerra, de acordo com a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Os comunistas e o bloco árabe votaram a favor dessa resolução.”[3]
O não reconhecimento do outro torna mais fácil o exercício do domínio. A história é pródiga em exemplos que levaram ao limite a desumanização e daí à prática do genocídio, termo cunhado pelo jurista polonês Raphael Lemkin[4] para designar o extermínio deliberado de grupos inteiros, étnicos, raciais, religiosos ou nacionais. Os 44.502 palestinos mortos e os 105.454 feridos pelos bem treinados soldados de Israel de outubro de 2023 até dezembro de 2024[5] são um sintoma do que está em curso.
O australiano Anthony Loewenstein, jornalista investigativo e cineasta de origem judaica, em seu livro Laboratório palestina, de 2023, explica que Israel é um estado de apartheid que se orienta pela expulsão e pela morte dos povos que habitam a Palestina. Não bastasse, a própria organização de direitos humanos de Israel, B’Tslem, em relatório de 2021, conclui haver no país um “regime de supremacia judaica”.
Conforme relata Loewenstein, Netanyahu sempre foi claro sobre as posições de Israel.
“Durante seu mandato como presidente, Barack Obama argumentou que era ‘insustentável’ ocupar indefinidamente outro povo porque o racismo e o colonialismo eram relíquias de uma época diferente. Netanyahu[6] discordou veementemente. [...] A mensagem defendida por Netanyahu e seus sucessores é que Israel é o Estado-nação moderno ideal, que rejeita as suposições multiculturais da Europa Ocidental e de outras partes do Ocidente.”[7]
Talvez estejamos vivendo neste século XXI o fim da utopia de um mundo integrado. A ideia de uma só humanidade naufraga antes mesmo de sua construção ter sido concluída. E o próprio Estado protetor dos governados e garantidor do direitos se tornou algo novo sob o ultraliberalismo e sua cultura arrogante. Mas é reconfortante saber que houve no futebol um ex-jogador e técnico de seleção que, em 2010, juntamente com outras 99 pessoas de destaque na Noruega, assinou um documento reivindicando um boicote cultural e acadêmico contra Israel. O seu nome: Egil Olsen.
Egil Olsen cresceu em um bairro da classe trabalhadora da cidade de Frederikstad. Nunca abandonou a classe social de origem e, apesar do sucesso no futebol, fundou o Partido Comunista dos Trabalhadores, em Oslo, aos 31 anos de idade. Formado pela Universidade do Esporte, é fluente em vários idiomas, e foi o técnico responsável por classificar a seleção da Noruega para as copas do mundo de 1994 e 1998, quando venceu o Brasil. O seu argumento para assinar o pedido de boicote a Israel foi simples e direto: “Você pode ter a ideologia que for, mas a ocupação da Palestina é imoral e ilegal.”[8]
Notas:
[1] Trump diz que vai assumir Gaza e que palestinos devem ir para outros países. In UOL.
[2] Edward S. Said. A questão da Palestina. P. 11.
[3] A entrevista completa pode ser lida na versão online do The New York Times: < https://www.nytimes.com/1972/08/27/archives/a-talk-with-golda-meir.html >
[4] O termo genocídio foi cunhado em 1943 por Lemkim, um judeu polonês que perdeu 49 membros de sua família durante o holocausto. Eles nasceu em 1900 e faleceu em 1959.
[5] Os dados são baseados em relatórios da UNOCHA (United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs). Conforme: Number of Palestinian and Israeli fatalities and injuries caused by the war between Hamas and Israel since October 7, 2023. In: Statista.com.
[6] Benjamin Netanyahu é primeiro-ministro de Israel. O Tribunal Penal Internacional emitiu mandado de prisão contra ele por crimes de guerra contra a população palestina em Gaza no dia 21 de novembro de 2024.
[7] Anthony Loewenstein. Laboratório palestina. P. 26.
[8] As informações sobre Egil Olsen foram retiradas do livro de Quique Peinado. Futebol à esquerda. Pp. 269-272.
Referências:
A talk with Golda Meir. In: The New York Times. Aug. 27, 1972. Disponível em < https://www.nytimes.com/1972/08/27/archives/a-talk-with-golda-meir.html > Acesso em 05/02/2025.
Anthony Loewenstein. Laboratório palestina. São Paulo: Elefante, 2024.
Edward S. Said. A questão da Palestina. São Paulo: Ed. Unesp, 2012.
Number of Palestinian and Israeli fatalities and injuries caused by the war between Hamas and Israel since October 7, 2023 In. Statista.com. Disponível em < https://www.statista.com/statistics/1422308/palestinian-territories-israel-number-fatalities-and-injuries-caused-by-the-israel-and-hamas-war/ > Acesso em 05/02/2025.
Quique Peinado. Futebol à esquerda. São Paulo: Madalena, 2017.
Trump diz que vai assumir Gaza e que palestinos devem ir para outros países. Por Pedro Vilas Boas, Beatriz Gomes e Clarice Sá. in: UOL. 04/02/2025. Disponível em < https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/02/04/trump-gaza-coletiva-netanyahu.htm > Acesso em 05/02/2025.





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